segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Media via do Integralismo Lusitano

…Mário Saraiva especificava “as duas características privativas da monarquia”: a primeira é “a personificação da unidade pátria, a representação nacional, total, global, no sentido em que a realeza não representando ninguém em especial, nenhum grupo, nenhuma classe, nenhum partido, representa a todos em geral, em cada momento, como na sequência viva da história”; a segunda é a “independência fundamental do poder real –  o que o torna árbitro necessário e indispensável”.
Segundo Mário Saraiva, estas duas características privativas da monarquia, estes dons inestimáveis e que afinal definem a superioridade monárquica, não devem, não podem ser prejudicadas ou inutilizadas para se fazer do Rei um governante:
“O Rei não pode descer ao lugar que compete a um primeiro-ministro. A sua missão é mais alta e transcendente.
“A realeza não é propriamente uma chefatura: é uma magistratura.”
E foi assim que Mário Saraiva, situando-se no desenvolvimento da Media via entre Liberalismo e Absolutismo aberta pelo Integralismo Lusitano, apresentou em «Razões Reais» um contributo inovador que é de justiça reconhecer como uma doutrina neo-integralista dos poderes do Rei: enquanto na teoria monárquica do constitucionalismo liberal-cartista se dizia que “o rei reina mas não governa” e o Integralismo Lusitano havia inicialmente retomado a fórmula de Gama e Castro segundo a qual o “o rei governa, mas não administra”, Mário Saraiva vai adiante afirmar que o Rei não deve governar nem administrar, mas deve chefiar tudo o que não seja discutível no plano nacional – a Diplomacia, as Forças Armadas, a Justiça.
Ao atribuir ao Rei a Suprema Magistratura da República, Mário Saraiva realizou a destrinça entre governo e administração, rectificando, melhor dizendo actualizando, a primitiva proposta integralista, e no mesmo passo recuperando essa antiga e sempre nova fórmula da Monarquia Portuguesa na qual se definia o Rei como  «o procurador dos descaminhos do Reino».
…Tendo sido escrita por um discípulo reconhecido do Integralismo Lusitano, esta é na verdade uma obra da qual emerge naturalmente o filão mais profundo dessa escola de pensamento, esse que afirma que INTEGRAR quer dizer, rigorosamente, INTEGRAR A NAÇÃO TRANSVIADA NA DIRECTRIZ HISTÓRICA QUE A FORMOU E ENGRANDECEU. Retirando lição da experiência e da realidade em constante transformação, Mário Saraiva revelou-se aqui como um RENOVADOR que sabe que as fórmulas envelhecem como os homens, sendo preciso renová-las para que conservem frescura e vitalidade. Sem se deter na defesa de fórmulas vigentes ou passadas, rejeitando o conservadorismo político, assumiu-se plenamente como um TRADICIONALISTA, um pensador consciente de que a Tradição é um veio que liga acções humanas em tempos sucessivos, e que a desejada integração da Nação Portuguesa na directriz histórica que a formou e engrandeceu, não poderá realizar-se senão por intermédio de uma actualizada Solução Nacional:
"Rei – personificação da Pátria;
Rei – procurador dos descaminhos do Reino;
Rei – defensor da Nação perante o Estado.
Eis-nos diante de três posições basilares que necessariamente marcam, orientam e definem a jurisdição da magistratura real."

Creio que não é demais concluir insistindo, com Mário Saraiva: a República é a  «Res publica», Coisa Pública, Coisa do Povo; durante séculos a República em Portugal teve um Monarca por regedor e defensor; e a República existia dentro da Monarquia.
Eis porque não é demais insistir retomando também aqui o convite que Mário Saraiva lançava aos monárquicos para que repudiassem a questão política nos termos fratricidas monárquicos contra republicanos tal como tem sido posta desde o século XIX:
“A diferença entre um «soi-disant» republicano e um de nós é fundamentalmente esta: ele quer para a República um Presidente periodicamente eleito; nós queremos que a República remate pela chefatura dinástica de um Rei”.
Tal como os mestres fundadores do Integralismo Lusitano, Mário Saraiva convidava, afinal, os monárquicos a assumirem a sua «Alma Republicana», e a reconhece-la naqueles que, embora presidentistas, tenham “o mesmo acrisolado interesse pela Coisa Pública”, “a consciência de que praticam um dever cívico na primazia que concordam em dar à Pátria”.

José Manuel Quintas
Palavras de apresentação da 3ª edição da obra «Razões Reais» de Mário Saraiva, em 2 de Abril de 2003, no Salão Nobre do Palácio da Independência, em Lisboa

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Unidade Nacional

A eleição é uma escolha e, com tal, pressupõe divergências de opiniões, a discussão generalizada e a divisão do país em volta dos candidatos propostos.
No ardor das campanhas eleitorais exasperam-se as paixões partidárias, originam-se conflitos, cavam-se fundas dissenções entre os homens públicos, com vincados reflexos no seio da população.
Nos períodos eleitorais respira-se a atmosfera de uma guerra civil. Depois ficam, difíceis de cicatrizar, as feridas abertas no corpo e na alma da Nação… E quando no decorrer do tempo poderiam começar a atenuar-se os efeitos perniciosos de divisão eleitoral, eis que outra eleição se aproxima reavivando todos os males.
Quem não vê que o mecanismo da chefia republicana é um factor periódico e persistente de desunião e de luta interna?
Quem não vê que o acto fundamental e mais solene do sistema republicano é aquele que mais fere e contraria a unidade nacional?
Como nos pode prometer união um regime que nos obriga contràriamente à divisão e à luta?
E como há-de um Presidente, eleito por um sector da população, em guerra contra outros sectores da população, simbolizar e exprimir uma unidade nacional?
Em contraposição, o Rei é o chefe de Estado que não se apresenta como um candidato entre demais, nem se vota, nem se discute, não suscita desuniões. Situado num plano superior ao debate político, a sua chefatura tem um carácter nacional, e pacifica, coordena, congrega, unifica.
Em República os governos fazem frequentemente apelo à unidade, mas entendem-na como adesão e apoio, pelo menos condescendência à sua política.
A unidade republicana pretende ser unanimidade e como ela é impossível, simula-a, frequentemente, reduzindo ao silêncio as vozes discordantes. É nesse momento propício que se concentram e reforçam os poderes, em prejuízo das liberdades…
Em Monarquia a unidade estabelece-se sem constrangimentos nem perdas cívicas, sobe a variedade e a diversidade, respeitando-as, porque existe o que não existe em República – um denominador comum, que se chama o Rei.
O conceito da unidade monárquica não é o de unanimidade política; é o da harmonia do conjunto nacional.

Mário Saraiva in Razões Reais, Biblioteca do Pensamento Político, 1970

terça-feira, 24 de abril de 2012

Alexandre Herculano - 1858 (sobre a centralização)


(Da Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra In Jornal do Commercio, Industria e Agricultura, n.º 1399, Lisboa, 23 de Maio de 1858.)


...Na verdade, a doutrina de que o excesso de acção administrativa, hoje acumulada, deve derivar em grande parte do centro para a circunferência repugna aos partidos, e irrita-os. Sei isso, e sei porquê. Os partidos, sejam quais forem as suas opiniões ou os seus interesses, ganham sempre com a centralização. Se não lhes dá maior número de probabilidades de vencimento nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as, e, obtido o poder, a centralização é o grande meio de o conservarem. Nunca esperem dos partidos essas tendências. Seria o suicídio. Daí vem a sua incompetência, e nenhuma autoridade do seu voto nesta matéria. É preciso que o país da realidade, o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias acabe com o país nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubes, nos jornais, e constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que é, e do funcionalismo que quer e que há-de ser.




quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pode um chefe de Estado saído de uma eleição personificar a nação organizada?

“Um chefe eleito não realiza a unidade nacional, porque foi escolhido por um partido contra outro candidato, é o vencedor de uma guerra civil, muitas vezes sangrenta; não é forte, porque o seu poder teve origem numa competição em que pode ter triunfado por um voto e, sobretudo, porque recebeu directamente a investidura daqueles sobre quem deve imperar; não é independente, porque o chefe de hoje pertencia a um partido e não deixou secretamente de pertencer-lhe, por convicção, por gratidão e por futuro interesse político; não é contínuo, porque exerce o poder a prazo definido, geralmente curto, e porque o eleito, por orgulho que visa à imortalidade, não prossegue, normalmente, nas iniciativas do seu antecessor; não pode efectivar a intenção nacional quem representa uma parte do todo, e quem não é forte, livre e persistente, indigno e incapaz há-de ser de persognificar a Nação, organizada em Estado.”

Hipólito Raposo in Aula Régia - A Reconquista das Liberdades 1936 (ortografia da época)