terça-feira, 24 de julho de 2012

Textos em defesa da língua (3) - Hipólito Raposo


…Neste estado de autonomia, a nossa língua fez a jornada dos mares, senhoreou a África e os grandes empórios do Oriente, e viveu com o esplendor dos hinos, com as dores dos naufrágios e as lágrimas da saüdade, a vida de triunfo e de perdição da nossa epopeia marítima. E por tôda a rota da sua peregrinação, dezenas de milhões de bocas a repetem ainda hoje, orgulhosamente, nas mesmas sílabas e palavras que dominaram as vozes dos elementos, erguendo-lhe perene glorificação os falares crioulos do Atlântico, os dialectos vivos do Mar das Índias, da China e da Oceânia.
…Como já notei, não poderiam sem violência nivelar-se ao calão, algumas formas de linguagem que viveram ou vivem ao lado da nossa língua e que, pela sua incerteza e mobilidade, não constituem dialectos.
São tatuagens, assim me apraz chamar-lhes, são esmaltes exóticos outras vezes, essas expressões em que ressoam marimbas e gongues de Angola, ou de onde se evolam, ao sabor da Crónica, perfumes de tamarindos e champaca, lânguidos cantares e cintilações, desde os rios de África até às paragens do Oriente, pelo Malabar e Ceilão, por Malaca e Ilhas de Sonda, a bordo de lorchas e coracóras.
…Neste congresso permanente de raças, moiriscos, ciganos, negros da Guiné e negros cafres, peles-vermelhas, índios, chinas, javaneses, a nossa língua matizou-se de exótico, entrou nos pagodes sagrados e foi soada nas galés de piratas e nos balcões de comércio de todos os empórios.
…Portugal amado, sem língua portuguesa respeitada na sua pureza e obedecida na sua gramática, é um paradoxo lastimoso que só vive o destino efémero das palmas e dos banquetes.
A nossa língua é a obra-prima do espírito nacional, a criação para que todos os Portugueses uniram as almas durante séculos, harmònicamente, sem o desígnio, aliás impossível, de para isso entrarem em acôrdo… 
…As nações pequenas vêem-se cada vez mais condenadas pela ameaça dos grandes armamentos e das expansões do imperialismo económico, ao serem levadas pela mão das Potências, como pupilos dóceis e frágeis, às discussões da Paz e às fogueiras da Guerra. O Preste João, no seu palácio lendário de marfim e oiro, ainda vive em símbolo e lá espera que todos vamos em sua demanda. Não esqueçamos, entre outras, essa aliança poderosa e invencível, a aliança fiel de Portugal com os Portugueses dispersos pela vastidão da Terra, com todos os povos e gentes que falam a nossa língua.
…Aos nossos filhos deixemos, como melhor legado, depois dos ditames da moral e da honra, a língua portuguesa, viva, orgulhosa e incorrupta, para que a sua música não se dissolva no silêncio nebuloso dos séculos, mas seja eterna a sua voz de pensamento, a sua consolação de caridade, o seu frémito de paixão.
Estudai, estudemos todos a nossa língua com amor: nela se encorpora e vive a alma da Nação. !E por sôbre as facções e ódios que nos dividem e enfraquecem, acima de interêsses e rivalidades que nos lançam uns contra os outros, falar bem e língua materna é ainda a melhor forma de cada um se afirmar português de Portugal!

Hipólito Raposo, 1928 Tatuagens da nossa língua in Aula Régia (antes do acordo de 1945...)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O regresso dos coalas

O governo prepara-se para fazer chegar o neo-liberalismo ao ordenamento florestal nacional. A recente proposta de alteração legislativa para ações de arborização e rearborização, abre o caminho à ocupação dos espaços florestais nacionais pelas monoculturas de eucaliptos, num retrocesso nítido no caminho de conquistas civilizacionais feitas pela luta de homens como Gonçalo Ribeiro Teles. Decretos de 1988 e 1989 condicionaram a plantação das espécies de crescimento rápido em áreas superiores a 50 há e na reflorestação de zonas de incêndio. Foi um travão para o fogo-posto na floresta tradicional com intuitos de mudança de uso e do lucro fácil. As monoculturas de eucaliptos, choupos ou acácias, degradam os solos, reduzem a biodiversidade e aumentam o risco de incêndio. Aliás é já de 1937 uma lei que proíbe a plantação destas espécies a menos de 20 metros de terrenos cultivados ou de 30 metros de nascentes ou regadio. Parecia pois do mais elementar bom-senso o condicionamento destas culturas extensivas ao parecer positivo das autoridades florestais e de conservação da natureza. Optar como agora se propõe, pelo deferimento tácito quando não se obtém uma resposta em 30 dias, ainda por cima numa altura em que se esvaziam de meios os organismos do estado a quem compete dar o parecer, é deixar uma porta aberta à destruição da floresta nacional pela eucaliptação, e fazer tábua-rasa do mais elementar princípio da precaução. Aliás, e tal como acontece na lei da reforma administrativa, os princípios de conservação da biodiversidade e de proteção dos solos que se enunciam no preâmbulo, não têm qualquer correspondência no articulado da lei. Este governo começa a revelar em muitas áreas uma espécie de bipolaridade legislativa.
O país volta a ficar à mercê dos interesses das celuloses e tudo isto se discute, de uma forma quase pornográfica, em plena época de incêndios. Segue-se o esvaziamento da Lei da Reserva Ecológica Nacional, uma vez mais em nome da desburocratização.